DO ABSOLUTISMO AO ILUMINISMO:
KANT, RAZÃO TEÓRICA, RELATIVISMO KANTIANO, RAZÃO PRÁTICA, NOÇÃO DO
DEVER, O IMPERATIVO CATEGÓRICO
Kant (1724-1804), filósofo alemão,
começou por aderir às teses dos racionalistas. No entanto, ao
analisar as críticas do empirista inglês David Hume às noções de metafísica e
ao princípio de causalidade «despertou do sono dogmático» em que a evidência da
metafísica o tinha induzido e construiu uma teoria alternativa - o idealismo transcendental. Segundo os
racionalistas, o conhecimento do mundo exterior fundamenta-se na nossa razão;
segundo os empiristas, são os sentidos que fundamentam todo o conhecimento. Em
qualquer destas teorias, temos sempre acesso ao conhecimento da realidade, tal
como ela é. O idealismo de Kant vai realçar o papel do sujeito neste processo.
Razão teórica - Kant apercebeu-se que o
sujeito interfere no processo do conhecimento com as suas próprias
características (a que ele chama estruturas a priori). Inevitavelmente, em
qualquer ato de conhecimento, o sujeito está presente como seu modo de ser e,
por isso, quando conhece contamina aquilo que conhece. Kant afirma que há duas
formas a priori a condicionar a sensibilidade:
o espaço e o tempo. Vejamos o que acontece com a noção de tempo: todos sabemos o que ele é porque estamos habituados
a medi-lo nos relógios e a senti-lo no rolar dos dias e dos anos. No entanto,
não conseguimos captar o tempo através de nenhum sentido - não o vemos, não o
ouvimos, não o tocamos. Como adverte Santo Agostinho, se nos perguntarem o que
é o tempo não sabemos defini-lo. O mesmo acontece com a noção de espaço. Kant conclui, então, que o tempo e o espaço são
estruturas a priori da sensibilidade do
sujeito, que estão sempre presentes, quando nos referimos aos objetos, pois
não conseguimos conhecê-los sem ser no tempo e no espaço.
A sensibilidade
é a porta de entrada para o conhecimento racional, ou entendimento, que atinge
o nível mais elevado de rigor e verdade na ciência. No conhecimento científico
usamos um conjunto de noções - causa, substância, relação necessária, lei
universal, etc. - que não são retiradas da experiência concreta. E, no entanto,
todas estas noções são fundamentais para formularmos as leis que regulam a
realidade que nos rodeia. Por isso, se essas noções não se fundamentam na
realidade, fundamentam-se em nós próprios. Kant chamou-lhes categorias do
entendimento, pois definem o nosso modo de fazer ciência. Elas seriam
diferentes se nós fôssemos diferentes.
Mas não bastam
os elementos a priori para o nosso conhecimento da
realidade. É necessário que os nossos sentidos nos forneçam os elementos
recolhidos das coisas (os fenómenos) e que, por isso, são a posteriori. O verdadeiro conhecimento só
acontece quando se dá a síntese entre o a priori
do sujeito com a posteriori do
fenómenos. Como diz Kant, as formas a priori
são vazias e por isso, não produzem conhecimento válido, apenas
conhecimento ilusório; os fenómenos recolhidos pela sensibilidade são cegos e
por isso, incapazes de produzir conhecimento científico.
O conhecimento
metafísico será possível? - Interroga-se Kant.
De facto, ele
pretendia salvar a metafísica dos ataques dos empiristas. No entanto, a crítica
a que submeteu o funcionamento da razão levou-o a concluir que as noções
transcendentes de Deus e homem imortal, sendo apenas evidentes a priori não tendo qualquer fundamentação
a posteriori, incorrem,
inevitavelmente, no campo do conhecimento ilusório. Conclui, assim, que a
metafísica não é possível como ciência.
Afinal, que é
que nós podemos saber acerca do mundo e das coisas? Kant acha que as coisas,
tal como são em si mesmas (númenos), são inacessíveis ao nosso conhecimento. Só
podemos conhecer os fenómenos captáveis pelos nossos sentidos, e, mesmo assim,
filtrado pelas nossas estruturas a priori. Dito de outro modo, o nosso
conhecimento é relativo, pois depende de nós.
Este relativismo kantiano diferencia-se do
relativismo dos sofistas no seguinte: para estes, contemporâneos de Sócrates,
cada pessoa conhecia de acordo com a sua realidade; para Kant o relativismo é
idêntico para todos 0s homens, uma vez que, a razão humana é idêntica em todos.
Pode contestar-se esta identidade, dando razão aos sofistas. Mas, a verdade é
que, no domínio da matemática, ninguém aceita a possibilidade do relativismo
nas conclusões obtidas por coerência lógica. O teorema de Pitágoras é valido,
seja onde for e quando for.
A Razão Prática - A fundamentação da
moral constituía, desde Descartes, um problema para a filosofia. É certo que os
grandes filósofos gregos já se tinham debruçado sobre as questões da Ética (=
Moral). O cristianismo - como aliás, todas as religiões - apresentava um código
de moral alicerçado na sua teologia. Descartes pretendeu refazer esse código em
bases racionalistas, mas limitou-se a apresentar normas provisórias de moral.
Mais tarde, Rousseau atribuiu ao sentimento a origem da moral. Kant repensou os
fundamentos da moral e concluiu que devem estabelecer-se numa outra vertente da
razão humana, diferente da que nos faz pensar. Quer isso dizer, que é tão
natural ao homem ser moral como ser racional. E se a razão humana é idêntica em
qualquer homem, enquanto raciocina, também o é, enquanto estabelece normas
morais.
A noção de dever adquire na moral
kantiana um lugar central que se relaciona com o seu caráter obrigatório. Fazer
alguma coisa por dever significa que não devem ter-se em linha de conta as
implicações, vantagens ou inconvenientes, daí resultantes. Sendo assim, a moral
kantiana é uma moral formal, independente de objetivos externos, impõe-se por
si mesma, tal como o resultado de uma expressão matemática. Esta moral formal
liberta-se das influências da sociedade e da religião e radica na própria
estrutura do homem.
O imperativo categórico é a fórmula em
que se traduz, de modo prático, a moral formal: "procede de tal modo que a
tua ação possa transformar-se em modo de conduta universal". O imperativo
implica uma exigência de ação e, por isso, não depende da vontade do sujeito. A
vontade é boa somente quando ordena a si mesma que proceda por dever, de acordo
com o imperativo categórico.
A moral kantiana
insiste muito na importância da intencionalidade da ação.
Significa isto
que a moralidade da ação está dependente do motivo que nos decide a realizá-la.
Assim, um comerciante que pratique preços justos para atrair a clientela ou por
medo da fiscalização, não está a agir normalmente bem. Mas outro comerciante,
que é justo, apenas porque acha que deve sê-lo, realiza uma ação moralmente
válida.
Tem-se acusado
Kant de fazer uma moral de "boas intenções". A verdade é que, se
todas as pessoas procedessem de acordo como imperativo categórico, a sociedade
eliminava a maior parte das ações que prejudicam a convivência, e também muita
hipocrisia.