sábado, 10 de novembro de 2012

CULTURA GREGA


 

 
 CULTURA GREGA

 

 

A situação geográfica da Grécia, próxima do Médio Oriente, onde tinham flo­rescido as primeiras civilizações, aliada ao espírito de emigrante dos gregos (por causa das fracas condições agrícolas do seu território) produziu o que muitas vezes se chama "Milagre Grego", caracterizado por uma atitude crítica e reflexiva e que marca uma nova etapa na história da cultura.

 As velhas explicações míticas acerca do mundo e do homem, a que Homero (séc. IX a.C.) dera unidade na lIíada e Odisseia, começam a ser postas em causa por alguns pensadores gregos, a partir do século VI a.C. O problema do Arqué constitui a busca do primeiro elemento donde tudo provém. Tales de Mileto, considerado o primeiro filósofo, não se contentou com as explicações tradicionais dos mitos. Ele interrogou-se e procurou a resposta na realidade observável: o Arqué é a água. De facto, ela está presente em todos os elementos da Natureza, é indispensável a qual­quer ser vivo e existe nos estados: sólido, líquido e gasoso.

 A teoria de Tales foi contestada pelos seus discípulos que apresentaram novos ele­mentos de resposta para o mesmo problema do arqué: Anaxímenes prova que é o ar; Heraclito discorda e diz que é o fogo; Anaximandro inventa o ápeiron = algo de indefinido.

 Mais importante que saber quais foram esses elementos, importa assinalar o espírito crítico que levou os discípulos a contestar as teorias do seu mestre. A grande novidade da cultura grega, que assim se demarca das culturas tradicionalistas, é esta inquietação crítica que repensa as soluções dadas.

A racionalidade grega desenvolveu-se muito com  outro filósofo como Parménides (concluiu, racionalmente, que é impossível haver movimento); Pitágoras (o do teorema matemático), defendia que a realidade era constituída por números e Demócrito falou pela primeira vez em átomos (= partículas de matéria, indivisíveis). O apogeu desta racionalidade atingiu-se no século V com os grandes filósofos Sócrates, Platão e Aristóteles (Ver abaixo).

 Euclides (séc. VI a c.) organizou os conhecimentos de Geometria do seu tempo de modo sistemático. Pode considerar-se o iniciador da autonomia da matemática em relação à filosofia. Partindo de axiomas evidentes, (da noção de ponto, de segmento de reta e de alguns postulados), Euclides formulou teoremas, definiu relações entre figuras geométricas com tanto rigor que se impôs sem contestação, até ao século XIX.

 No mesmo século, viveu Arquimedes que se celebrizou pela descoberta do princípio da impulsão dos corpos mergulhados num líquido, (que deu origem à interjeição "eureka" - descobri) fundamental para a construção naval e para a balança hidrostática. Fez descobertas importantes no campo matemático que procu­rava aplicar em situações técnicas. Atribui-se-lhe a afirmação: «Deem-me um ponto de apoio e uma alavanca e eu levantarei o mundo». Esta aplicação das descobertas científicas ao domínio técnico só teve seguidores na ciência moderna.

 No séc. lI, merece destaque a obra de Ptolomeu que fundamentou matematica­mente o geocentrismo, dando solidez científica à evidência imediata dos sentidos de que a Terra estava imóvel e de que o Sol e todos os astros descrevem órbitas à sua volta.

 No campo da política, o espírito crítico da Grécia celebrizou a noção de demo­cracia. As cidades gregas eram pequenos Estados autónomos. Em muitas delas, com destaque para Atenas, as resoluções acerca dos assuntos importantes da cidade só se tomavam após intensa discussão em assembleia, por votação dos cidadãos (cerca de 10% dos habitantes). A democracia consiste nesta submissão das decisões à análise ponderada dos interessados, em contraste com as sociedades tradicionalistas, onde são os mais velhos que decidem, de acordo com a tradição e os costumes ancestrais. Mas, porque não há bela sem senão, os Sofistas, mais políticos que filósofos, começaram a manipular as assembleias (e os tribunais), com os seus discursos retóri­cos que convenciam facilmente os cidadãos mais ingénuos ou menos críticos da justeza das suas opiniões. Por isso, a democracia foi muito criticada pelos grandes filósofos da época. Sócrates acusava-a de ser a "tirania da incompetência". Platão prefere uma aristocracia (o governo dos melhores) e Aristóteles reuniu um grande número de constituições de Estados para depois elaborar a constituição ideal para Atenas.

 O século de Péricles (meados do séc. V a.C a meados do séc. IV a.C) ficou assim conhecido pelo extraordinário desenvolvimento cultural ocorrido na Grécia, por Influência desse grande chefe que promoveu grandes reformas sociais e políticas e incrementou a democracia nas assembleias.

 O teatro grego conheceu também o seu esplendor durante o século de Péricles, com Ésquilo, Sófocles, e Eurípedes, autores das grandes tragédias, que tinham origem na tradição grega ou na llíada e Odisseia de Homero (séc. VIII a.C). A tragé­dia caracteriza-se pelo domínio das forças do destino sobre a bondade ou maldade dos homens. A narração do destino cruel da família de Édipo deu origem a várias dessas tragédias. Conhecer o destino (moira) era de tal modo importante para os gregos, que consultavam sempre os oráculos (adivinhos ligados aos templos) quando tinham de tomar qualquer iniciativa importante, ou de iniciar uma viagem.


A escultura e a arquitetura tiveram, também, grande desenvolvimento. Escultores, como Fídias e Praxíteles, atingiram uma perfeição inultrapassável, na reprodução da figura humana. Eles tornaram-se o modelo para os escultores renascen­tistas como Miguel Ângelo. Os templos gregos, com elegantes colunas de capitéis trabalhados, são um modelo de equilíbrio estético.

Sócrates nasceu em Atenas em 470 a.C. O pai era escultor (profissão que ele terá exercido) e a mãe parteira (maia, daí a maiêutica. (Veja o método).

Sócrates ensinava no ágora, praça de Atenas, para quem o queria ouvir. Muitos dos ouvintes mais atentos eram jovens atenienses, entre os quais se contava Platão, a fonte principal do que se sabe de Sócrates.

 Com perto de 70 anos, Sócrates foi acusado por dois sofistas, (talvez ressentidos pelas críticas de que eram objeto) de corromper a juventude e de rejeitar o culto dos deuses. A sentença de morte foi aprovada por pouco mais de metade dos 500 membros da assembleia. A execução da própria sentença por Sócrates, condenado a beber cicuta (veneno), vem descrita no Fédon de Platão e é um monumento de comoção literária e da grandiosidade deste homem frente à morte.

 «Conhece-te a ti mesmo», foi o lema de Sócrates, pondo assim em primeiro plano o conhecimento do Homem. Sentia-se predestinado pelos deuses para ser «um moscar­do, com a missão e despertar as consciências adormecidas». Contestou abertamente a 'cultura da sua época, sobretudo a sofística que dominava a política, os tribunais, as assembleias e as escolas. Embora o seu método tenha raízes na sofística (que Sócrates terá estudado em alguma escola) criticou aos sofistas: fazerem-se pagar pelo ensino da filosofia; os discursos retóricos que não visavam a verdade, mas a conveniência; o relativismo da verdade. E contrapunha: o ensino gratuito na ágora; um método incisivo, sem artifícios retóricos; a busca incessante da verdade.

 Ficou célebre o método socrático que revela uma grande originalidade, apesar de ter recorrido à dialética sofista. Podemos dizer que é um método interrogante destinado à abertura do pensamento da pessoa com quem dialoga. Ironia - é a primeira fase em que Sócrates se finge de ignorante, interroga e vai fechando o cerco das pergun­tas até levar o outro a reconhecer que não sabe nada do assunto. Inicia, então, a 2.a fase, a maiêutica. Sócrates vai à frente a sugerir a resposta, sempre de modo interrogativo e não avança enquanto o interlocutor não manifestar a sua concordância. Poucas vezes a conclusão de Sócrates aponta para soluções definitivas. A sua filosofia é modelarmente problematizante.

 
Sócrates preocupou-se sobretudo com a moral. Esta pode basear-se nos inte­resses do indivíduo ou nas normas da sociedade. No tempo de Sócrates, como hoje, a religião e o estado definiam o bem e o mal, o justo e o injusto, o que torna esses valores muito relativos e exteriores ao indivíduo. Assim, o que é bom em Atenas pode ser mau em Esparta, ou vice-versa. Sócrates não aceita esta perspetiva. Uma vez que o seu método estimulava a procura da verdade dentro de cada homem, era também aí que devia procurar-se o fundamento da moralidade. Por outro lado, Sócrates considerava o bem de tal modo atraente que «ninguém faz o mal se conhecer o bem». A melhoria dos indivíduos e da sociedade passará, então, pelo incremento do conhecimento do bem.

 
Sócrates chegou ao fim da vida com a lucidez de pouco ter conseguido saber: «só sei que nada sei». Mas a certeza de que a sua pesquisa foi feita em honestidade e inten­sidade constantes dá a Sócrates a altivez invejável de olhar a morte nos olhos, como se ela fosse um longo sono (de que nem sequer resta um sonho para recordar) ou então o começo de uma nova vida, bem melhor que esta.

 Platão nasceu em 428 a.C., em Atenas, numa família nobre. Estudou nas escolas dos sofistas, preparando uma carreira política, que mal chegou a exercer. Escreveu muitas obras, quase todas em forma de Diálogo onde Sócrates aparece, como a personagem central a expor as teorias do próprio Platão. Fundou uma escola, a Academia, que atingiu grande celebridade na antiguidade.

 Foi muito influenciado por Sócrates (no método e na mora!), pela dialética sofista e pelos pitagóricos (discípulos de Pitágoras) que defendiam a reencarnação das almas.

 Dualismo gnoseológico: Platão analisa os dois tipos de conhecimento que temos, já definidos anteriormente, por Parménides: conhecimento sensível, que nos é dado através dos sentidos, e conhecimento inteligível, que nos permite construir conceitos sintéticos e abstratos que definem as coisas e que se exprimem por palavras.

 Deste dua­lismo do conhecimento, Platão concluiu o dualismo antropológico. Se temos dois tipos de conhecimento - o sensível dependente do corpo, e o inteligível dependente da alma, - e se eles são tão diferentes, então o seu suporte, o corpo e alma, também devem ser dife­rentes. O homem é assim, uma alma encarcerada num corpo. Mas se o conhecimento inteligível é muito mais perfeito que o sensível, também a alma, que o produz, deve sê-lo.

 Platão socorreu-se das influências dos pitagóricos para dizer, de modo pouco filosó­fico, que a alma vivia no mundo inteligível antes de se unir ao corpo que provém do mundo sensível - dualismo cosmológico. As coisas do mundo sensível são apenas sombras do mundo Inteligível. Neste é que estão as essências das coisas, as Ideias, organizadas em forma de pirâmide, de acordo com o grau de perfeição. No vértice da pirâmide está a Ideia de Bem. Na base estão as almas. As Ideias projetam-se sobre as coisas do mundo sensível e, por isso, quando as vemos, a nossa alma pode recordar-se do que contemplou no mundo das Ideias. É a teoria da reminiscência que Platão sintetiza assim: «Aquilo a que chamamos aprender não é mais que recordar»} já implícita no método socrático.

 Apesar das críticas pertinentes a muitas teorias de Platão, ele exerceu uma influência constante na cultura, até aos nossos dias.

 Aristóteles nasceu numa ilha grega, no ano em 384 a.C. Foi estudar para Atenas, onde frequentou a Academia de Platão, durante cerca de vinte anos, primeiro como aluno e, depois, como professor. Por isso, não admira que os grandes temas da filosofia destes dois filósofos sejam idênticos.

 Tal como Platão, Aristóteles parte do dualismo gnosiológico: é evidente que temos dois tipos de conhecimento, o sensível e o inteligível. Mas a explicação platónica implicava o mundo das Ideias. Aristóteles assumiu uma posição mais objetiva, trouxe Platão do céu à terra, criando as teorias da abstração e da generalização para explicar esse dualismo.

 Abstração - É o processo de afastamento gradual da realidade concreta, captada pelos sentidos. Deste modo, ficamos apenas com os elementos gerais ou essenciais das coisas e perdemos os pormenores da sensibilidade. O intelecto forma assim os conceitos que são sempre abstratos e se tornam os primeiros elementos de toda a atividade do pensamento. Por este processo, Aristóteles resolve os problemas das diferenças entre os dois tipos de conhecimento e considera inútil a teoria platónica das Ideias.

 Generalização - Uma vez construído o conceito, por abstração, o intelecto pode usá-lo em novas situações, num processo de universalização, extremamente enrique­cedor. A generalização permite-nos organizar os conceitos, formando juízos (frases) e amplificar o campo da sua aplicação de tal modo que o conhecimento se vai alargando, a partir do que já foi anteriormente conhecido, sem ser preciso admitir a teoria da reminiscência de Platão. Destruída a teoria das Ideias e a da reminiscência, deixa de ter fundamento o dualismo cosmológico e o dualismo antropológico.

 A lógica de Aristóteles foi uma reflexão tão aprofundada sobre o modo de fun­cionamento do pensamento humano que se manteve quase inalterável até aos nossos dias. Analisa pormenorizadamente os conceitos, os termos (palavras), os juízos, os raciocínios, detendo-se no silogismo que ele considera o raciocínio perfeito.

 A física de Aristóteles reuniu os conhecimentos dos filósofos pré-socráticos; encontrando uma resposta sincrética para o problema do arqué, nos quatro elementos: água, ar, terra, fogo. Defendeu o geocentrismo por ser evidente. A ciência estuda as essências, é universal e necessária, mas não se fundamenta no mundo das Ideias como em Platão. Ela constrói-se por indução, (vai do particular para o geral) e por dedução, (vai do geral para o particular).

 O homem é um animal racional, constituindo uma unidade que abrange as caracte­rísticas anímicas das plantas, dos animais a que se acrescenta a exclusividade da razão.

 Platão era um filósofo idealista; Aristóteles é um filósofo realista que parte da reali­dade sensível, para subir ao conhecimento mais geral, ou seja, ao conhecimento intelectual. Nunca é demais realçar o seguinte: Platão e Aristóteles, dois dos maiores filósofos de sempre, apesar de terem teorias opostas para explicar a realidade, man­tiveram boas relações de convivência, durante 20 anos, na Academia.

 

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