CULTURA GREGA
A situação geográfica da
Grécia, próxima do Médio Oriente, onde tinham florescido as primeiras
civilizações, aliada ao espírito de emigrante dos gregos (por causa das fracas
condições agrícolas do seu território) produziu o que muitas vezes se chama "Milagre
Grego", caracterizado por uma atitude crítica e reflexiva e que marca
uma nova etapa na história da cultura.
As velhas explicações
míticas acerca do mundo e do homem, a que Homero (séc. IX a.C.) dera unidade na
lIíada e Odisseia, começam a ser postas em causa por alguns pensadores gregos,
a partir do século VI a.C. O problema do Arqué constitui a busca do
primeiro elemento donde tudo provém. Tales
de Mileto, considerado o primeiro filósofo, não se contentou com as
explicações tradicionais dos mitos. Ele interrogou-se e procurou a resposta na
realidade observável: o Arqué
é a água. De facto, ela está
presente em todos os elementos da Natureza, é indispensável a qualquer ser
vivo e existe nos estados: sólido, líquido e gasoso.
A teoria de Tales foi contestada pelos seus discípulos que apresentaram novos elementos
de resposta para o mesmo problema do arqué: Anaxímenes prova que é o ar;
Heraclito discorda e diz que é o fogo; Anaximandro
inventa o ápeiron = algo de
indefinido.
Mais importante que saber
quais foram esses elementos, importa assinalar o espírito crítico que
levou os discípulos a contestar as teorias do seu mestre. A grande novidade da
cultura grega, que assim se demarca das culturas tradicionalistas, é esta inquietação
crítica que repensa as soluções dadas.
A racionalidade grega
desenvolveu-se muito com outro filósofo como Parménides (concluiu, racionalmente, que é impossível haver
movimento); Pitágoras (o do teorema
matemático), defendia que a realidade era constituída por números e Demócrito falou pela primeira vez em átomos
(= partículas de matéria, indivisíveis). O apogeu desta racionalidade
atingiu-se no século V com os grandes filósofos Sócrates, Platão e Aristóteles (Ver abaixo).
Euclides (séc. VI a c.) organizou os conhecimentos de Geometria do seu tempo
de modo sistemático. Pode considerar-se o iniciador da autonomia da matemática
em relação à filosofia. Partindo de axiomas evidentes, (da noção de ponto,
de segmento de reta e de alguns postulados), Euclides formulou
teoremas, definiu relações entre figuras geométricas com tanto rigor que se
impôs sem contestação, até ao século XIX.
No mesmo século, viveu Arquimedes que se celebrizou pela
descoberta do princípio da impulsão dos corpos mergulhados num líquido,
(que deu origem à interjeição "eureka"
- descobri) fundamental para a construção naval e para a balança
hidrostática. Fez descobertas importantes no campo matemático que procurava
aplicar em situações técnicas. Atribui-se-lhe a afirmação: «Deem-me um ponto
de apoio e uma alavanca e eu levantarei o mundo». Esta
aplicação das descobertas científicas ao domínio técnico só teve seguidores na
ciência moderna.
No séc. lI, merece destaque
a obra de Ptolomeu que fundamentou
matematicamente o geocentrismo, dando solidez científica à evidência
imediata dos sentidos de que a Terra estava imóvel e de que o Sol e todos os
astros descrevem órbitas à sua volta.
No campo da política, o espírito crítico da Grécia celebrizou a noção de democracia.
As cidades gregas eram pequenos Estados autónomos. Em muitas delas, com
destaque para Atenas, as resoluções acerca dos assuntos importantes da cidade
só se tomavam após intensa discussão em assembleia, por votação dos cidadãos
(cerca de 10% dos habitantes). A democracia consiste nesta submissão das
decisões à análise ponderada dos interessados, em contraste com as sociedades
tradicionalistas, onde são os mais velhos que decidem, de acordo com a tradição
e os costumes ancestrais. Mas, porque não há bela sem senão, os Sofistas, mais políticos que filósofos,
começaram a manipular as assembleias (e os tribunais), com os seus discursos
retóricos que convenciam facilmente os cidadãos mais ingénuos ou menos
críticos da justeza das suas opiniões. Por isso, a democracia foi muito
criticada pelos grandes filósofos da época. Sócrates acusava-a de ser a
"tirania da incompetência". Platão prefere uma aristocracia (o
governo dos melhores) e Aristóteles reuniu um grande número de constituições de
Estados para depois elaborar a constituição ideal para Atenas.
O século de Péricles (meados do séc. V a.C a meados do séc. IV a.C) ficou assim
conhecido pelo extraordinário desenvolvimento cultural ocorrido na Grécia, por
Influência desse grande chefe que promoveu grandes reformas sociais e políticas
e incrementou a democracia nas assembleias.
O teatro grego conheceu também o seu esplendor durante o século de Péricles, com Ésquilo, Sófocles, e Eurípedes,
autores das grandes tragédias, que tinham origem na tradição grega ou na llíada
e Odisseia de Homero (séc. VIII
a.C). A tragédia caracteriza-se
pelo domínio das forças do destino sobre a bondade ou maldade dos homens. A
narração do destino cruel da família de Édipo deu origem a várias dessas
tragédias. Conhecer o destino (moira) era de tal modo importante para os
gregos, que consultavam sempre os oráculos (adivinhos ligados aos templos)
quando tinham de tomar qualquer iniciativa importante, ou de iniciar uma
viagem.
A escultura e a arquitetura
tiveram, também, grande desenvolvimento. Escultores, como Fídias e Praxíteles, atingiram uma perfeição inultrapassável, na reprodução
da figura humana. Eles tornaram-se o modelo para os escultores renascentistas
como Miguel Ângelo. Os templos gregos, com elegantes colunas
de capitéis trabalhados, são um modelo de equilíbrio estético.
Sócrates nasceu em Atenas em 470 a.C. O pai era escultor
(profissão que ele terá exercido) e a mãe parteira (maia, daí a
maiêutica. (Veja o método).
Sócrates ensinava no ágora,
praça de Atenas, para quem o queria ouvir. Muitos dos ouvintes mais atentos
eram jovens atenienses, entre os quais se contava Platão, a fonte principal do
que se sabe de Sócrates.
Com perto de 70 anos,
Sócrates foi acusado por dois sofistas, (talvez ressentidos pelas críticas de
que eram objeto) de corromper a juventude e de rejeitar o culto
dos deuses. A sentença de morte foi aprovada por pouco mais de metade dos
500 membros da assembleia. A execução da própria sentença por Sócrates,
condenado a beber cicuta (veneno), vem descrita no Fédon de Platão e é
um monumento de comoção literária e da grandiosidade deste homem frente à
morte.
«Conhece-te a ti mesmo», foi o lema de Sócrates,
pondo assim em primeiro plano o conhecimento do Homem. Sentia-se predestinado
pelos deuses para ser «um moscardo, com a missão e despertar as
consciências adormecidas». Contestou abertamente a 'cultura da sua
época, sobretudo a sofística que dominava a política, os tribunais, as
assembleias e as escolas. Embora o seu método tenha raízes na sofística (que
Sócrates terá estudado em alguma escola) criticou aos sofistas: fazerem-se
pagar pelo ensino da filosofia; os discursos retóricos que não visavam a
verdade, mas a conveniência; o relativismo da verdade. E
contrapunha: o ensino gratuito na ágora; um método incisivo, sem
artifícios retóricos; a busca incessante da verdade.
Ficou célebre o método socrático que revela uma grande
originalidade, apesar de ter recorrido à dialética sofista. Podemos dizer que é
um método interrogante destinado à abertura do pensamento da pessoa com quem
dialoga. Ironia - é a primeira fase em que Sócrates se finge
de ignorante, interroga e vai fechando o cerco das perguntas até levar o outro
a reconhecer que não sabe nada do assunto. Inicia, então, a 2.a
fase, a maiêutica. Sócrates vai à frente a sugerir a resposta, sempre de
modo interrogativo e não avança enquanto o interlocutor não manifestar a sua
concordância. Poucas vezes a conclusão de Sócrates aponta para soluções
definitivas. A sua filosofia é modelarmente problematizante.
Sócrates preocupou-se
sobretudo com a moral. Esta pode
basear-se nos interesses do indivíduo ou nas normas da sociedade. No tempo de
Sócrates, como hoje, a religião e o estado definiam o bem e o mal, o justo e o
injusto, o que torna esses valores muito relativos e exteriores ao indivíduo.
Assim, o que é bom em Atenas pode ser mau em Esparta, ou vice-versa. Sócrates
não aceita esta perspetiva. Uma vez que o seu método estimulava a procura da
verdade dentro de cada homem, era também aí que devia procurar-se o fundamento
da moralidade. Por outro lado, Sócrates considerava o bem de tal modo atraente
que «ninguém faz o mal se conhecer o bem». A
melhoria dos indivíduos e da sociedade passará, então, pelo incremento do
conhecimento do bem.
Sócrates chegou ao fim da
vida com a lucidez de pouco ter conseguido saber: «só sei que nada sei». Mas
a certeza de que a sua pesquisa foi feita em honestidade e intensidade
constantes dá a Sócrates a altivez invejável de olhar a morte nos olhos, como se
ela fosse um longo sono (de que nem sequer resta um sonho para recordar) ou
então o começo de uma nova vida, bem melhor que esta.
Platão nasceu em 428 a.C.,
em Atenas, numa família nobre. Estudou nas escolas dos sofistas, preparando uma
carreira política, que mal chegou a exercer. Escreveu muitas obras, quase todas
em forma de Diálogo onde Sócrates aparece, como a personagem central a expor
as teorias do próprio Platão. Fundou uma escola, a Academia, que atingiu grande
celebridade na antiguidade.
Foi muito influenciado por
Sócrates (no método e na mora!), pela dialética sofista e pelos pitagóricos
(discípulos de Pitágoras) que defendiam a reencarnação das almas.
Dualismo gnoseológico: Platão analisa os dois tipos de conhecimento que temos, já definidos
anteriormente, por Parménides: conhecimento sensível, que nos é dado
através dos sentidos, e conhecimento inteligível, que nos permite
construir conceitos sintéticos e abstratos que definem as coisas e que se
exprimem por palavras.
Deste dualismo do
conhecimento, Platão concluiu o dualismo
antropológico. Se temos dois tipos de conhecimento - o sensível dependente
do corpo, e o inteligível dependente da alma, - e se eles são tão
diferentes, então o seu suporte, o corpo e alma, também devem ser diferentes.
O homem é assim, uma alma encarcerada num corpo. Mas se o
conhecimento inteligível é muito mais perfeito que o sensível, também a alma,
que o produz, deve sê-lo.
Platão socorreu-se das influências dos pitagóricos para dizer, de modo
pouco filosófico, que a alma vivia no mundo inteligível antes de se
unir ao corpo que provém do mundo sensível - dualismo cosmológico. As coisas do mundo sensível são apenas
sombras do mundo Inteligível. Neste é que estão as essências das coisas, as
Ideias, organizadas em forma de pirâmide, de acordo com o grau de perfeição. No
vértice da pirâmide está a Ideia de Bem. Na base estão as almas. As
Ideias projetam-se sobre as coisas do mundo sensível e, por isso, quando as
vemos, a nossa alma pode recordar-se do que contemplou no mundo das Ideias. É a
teoria da reminiscência que Platão sintetiza assim: «Aquilo a que chamamos aprender não é mais que
recordar»} já implícita no método socrático.
Apesar das críticas
pertinentes a muitas teorias de Platão, ele exerceu uma influência constante
na cultura, até aos nossos dias.
Aristóteles nasceu numa ilha grega, no ano em 384 a.C. Foi estudar para Atenas,
onde frequentou a Academia de Platão, durante cerca de vinte anos, primeiro
como aluno e, depois, como professor. Por isso, não admira
que os grandes temas da filosofia destes dois filósofos sejam idênticos.
Tal como Platão, Aristóteles parte do dualismo gnosiológico: é
evidente que temos dois tipos de conhecimento, o sensível e o inteligível. Mas
a explicação platónica implicava o mundo das Ideias. Aristóteles assumiu uma
posição mais objetiva, trouxe Platão do céu à terra, criando as teorias da abstração
e da generalização para explicar esse dualismo.
Abstração - É o processo de afastamento gradual da realidade concreta,
captada pelos sentidos. Deste modo, ficamos apenas com os elementos gerais
ou essenciais das coisas e perdemos os pormenores da sensibilidade. O intelecto
forma assim os conceitos que são sempre abstratos e se tornam os primeiros
elementos de toda a atividade do pensamento. Por este processo,
Aristóteles resolve os problemas das diferenças entre os dois tipos de
conhecimento e considera inútil a teoria platónica das Ideias.
Generalização - Uma vez construído o conceito, por abstração, o intelecto
pode usá-lo em novas situações, num processo de universalização, extremamente
enriquecedor. A generalização permite-nos organizar os conceitos, formando
juízos (frases) e amplificar o campo da sua aplicação de tal modo que o
conhecimento se vai alargando, a partir do que já foi anteriormente conhecido,
sem ser preciso admitir a teoria da reminiscência de Platão. Destruída a
teoria das Ideias e a da reminiscência, deixa de ter fundamento o dualismo
cosmológico e o dualismo antropológico.
A lógica de Aristóteles foi uma reflexão tão aprofundada sobre o modo de funcionamento do
pensamento humano que se manteve quase inalterável até aos nossos dias. Analisa
pormenorizadamente os conceitos, os termos (palavras), os juízos,
os raciocínios, detendo-se no silogismo que ele considera o
raciocínio perfeito.
A física de Aristóteles reuniu os conhecimentos dos filósofos pré-socráticos; encontrando
uma resposta sincrética para o problema do arqué, nos quatro elementos: água,
ar, terra, fogo. Defendeu o geocentrismo por ser evidente. A
ciência estuda as essências, é universal e necessária, mas não se fundamenta no
mundo das Ideias como em
Platão. Ela constrói-se por indução, (vai do particular para
o geral) e por dedução, (vai do geral para o particular).
O homem é um animal racional, constituindo uma unidade que abrange
as características anímicas das plantas, dos animais a que se acrescenta a
exclusividade da razão.
Platão era um filósofo idealista; Aristóteles é um filósofo realista que
parte da realidade sensível, para subir ao conhecimento mais geral, ou seja,
ao conhecimento intelectual. Nunca é demais realçar o seguinte: Platão e
Aristóteles, dois dos maiores filósofos de sempre, apesar de terem teorias
opostas para explicar a realidade, mantiveram boas relações de convivência,
durante 20 anos, na Academia.
Sem comentários:
Enviar um comentário